domingo, 28 de novembro de 2010

Elegias de Duíno - Rainer Maria Rilke (1° Elegia/parte I)


Rilke, Rainer Maria, 1875-1926
Elegias de Duíno/ Rainer Maria Rilke tradução de comentários de Dora Ferreira da Silva. Porto Alegre: Globo, 1976.















Primeira Elegia


Quem, se eu gritasse, entre as legiões dos Anjos me ouviria?

E mesmo que um deles me tomasse inesperadamente em seu

coração, aniquilar-me-ia sua existência demasiado forte.

Pois que é o Belo senão o grau do Terrível que ainda

suportamos e que admiramos porque, impassível, desdenha

destruir-nos? Todo Anjo é terrível. E eu me contenho, pois,

e reprimo o apelo do meu soluço obscuro. Ai, quem nos

poderia valer? Nem Anjos, nem homens e o intuitivo animal

logo adverte , que para nós não há amparo neste mundo

definido. Resta-nos, quem sabe, a árvore de alguma colina,

que podemos rever cada dia; resta-nos a rua de ontem e o

apego cotidiano de algum hábito que se afeiçoou a nós e

permaneceu. E a noite, a noite, quando o vento pleno dos

espaços do mundo desgasta-nos a face — a quem se furtaria

ela, a desejada, ternamente enganosa, sobressalto para o

coração solitário? Será mais leve para os que se amam? Ai,

apenas ocultam eles, um ao outro, seu destino. Não o sabias?

Arroja o vácuo aprisionado em teus braços para os espaços

que respiramos — talvez os pássaros sentirão o ar mais

dilatado, num vôo mais comovido.



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Sim, as primaveras precisavam de ti.

Muitas estrelas queriam ser percebidas.

Do passado profundo afluía uma vaga, ou

quando passavas sob uma janela aberta,

uma viola d'amore se abandonava. Tudo isto era missão.

Acaso a cumpriste? Não estavas sempre

distraído, à espera, como se tudo

anunciasse a amada? (Onde queres abrigá-la,

se grandes e estranhos pensamentos vão e vêm

dentro de ti e, muitas vezes, se demoram nas noites?)

Se a nostalgia vier, porém, canta as amantes;

ainda não é bastante imortal sua celebrada ternura.

Tu quase as invejas — essas abandonadas

que te pareceram tão mais ardentes que as

apaziguadas. Retoma infinitamente o inesgotável

louvor. Lembra-te: o herói permanece, sua queda

mesma foi um pretexto para ser — nascimento supremo.

Mas às amantes, retoma-as a natureza no seio

esgotado, como se as forças lhe faltassem

para realizar duas vezes a mesma obra.

Com que fervor lembraste Gaspara Stampa,

cujo exemplo sublime faça enfim pensar uma jovem

qualquer, abandonada pelo amante: por que não sou

como ela? Frutificarão afinal esses longínquos

sofrimentos? Não é tempo daqueles que amam libertar-se


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