domingo, 28 de novembro de 2010

Elegias de Duíno - Rainer Maria Rilke (2° Elegia/parte I)

SEGUNDA ELEGIA


Todo Anjo é terrível. No entanto, ai de mim, eu vos invoco, pássaros quase mortais da alma, sabendo quem sois. Tempos remotos de Tobias, em que o mais radiante dentre vós aparecia no limiar da casa humilde, sem intimidar, para a viagem levemente disfarçado; (jovem que outro jovem, curioso, contemplava). Adiantasse agora o Arcanjo, ameaça de trás das estrelas, um passo apenas para o nosso lado: no grande sobressalto destruir-nos-ia o próprio coração. Quem sois?

Precoces perfeições, vós, privilegiados, perfil dos altos cumes, cimos alvorecentes de toda criação — pólen da divindade em flor, articulações de luz, corredores, escadas, tronos, recintos da essência, escudos de alegria, tumultos de êxtases tempestuosos, e, subitamente solitários, espelhos cuja beleza reflui restituída à face que se contempla.

O sentir em nós, ai, é o dissipar-se — exalamos nosso ser; e de uma a outra ardência nos desvanecemos. Alguma vez nos dizem: "circulas no meu sangue, este quarto, a primavera, estão cheios de ti". Inutilmente procuram nos reter.



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Evolamos. E aqueles que são belos, oh, quem os

deteria? A aparência transita sem descanso em seu rosto

e se dissipa. Tal o orvalho da manhã

e o calor do alimento, o que é nosso

flutua e desaparece. Ó sorrisos, para onde?

E tu, olhar erguido, fugitiva onda ardente e nova

do coração? Ai de nós, assim somos.

Estará o mundo impregnado de nós, pois que

nele nos perdemos? E os Anjos,

retomarão apenas o que deles emanou?

Talvez um pouco de humano se encontre às vezes

em seus traços, como o vago no rosto das mulheres

grávidas? Eles porém nada percebem,

no turbilhão da volta a si mesmos. (Como o saberiam?)

Se o soubessem, os Amantes diriam

estranhas coisas no ar noturno. No entanto, parece

que tudo nos oculta. Olhai, as árvores são; as casas

que habitamos, resistem. Somente nós passamos,

permuta aérea, em face de tudo. E tudo conspira

para que silenciemos: o pudor, ou

quem sabe que indizível esperança.

Amantes, que vos bastais, qual nosso segredo? Há contato entre vós. Teríeis provas?


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Às vezes minhas mãos se reconhecem ou

meu rosto gasto nelas tenta se abrigar.

Isto me dá uma certa consciência de mim mesmo.

Quem, no entanto, por tão pouco ousaria ser?

Mas vós, acrescidos no êxtase um do outro

— até que exausto, um suplique: basta! — vós,

cujas mãos descobrem a riqueza dos anos de vinho

e que vos dissolveis para que o outro domine,

pergunto-vos: qual nosso segredo? Eu sei,

bem-aventurado é vosso contato, pois

as carícias sutilmente protegem, retêm

a duração pura; e o amplexo, não vos promete quase

a eternidade? Quando resistis ao sobressalto

dos primeiros olhares, à ansiosa espera

à janela, ou quando ultrapassais

o primeiro passeio, juntos,

num jardim: amantes, sois vós ainda?

Quando um no outro pousais os vossos

lábios, como taças, oh, como se evade

então, estranhamente, o embriagado.

Admirastes nas esteias gregas a prudência

do gesto humano? O amor e o adeus sobre as espáduas

pousavam de leve, como se de outra matéria fossem

feitos, que nós desconhecemos. Lembrai-vos das mãos que,


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sem peso, se apoiavam, apesar dos corpos vigorosos. Senhores

de si mesmos, eles sabiam: aqui estamos,

em nosso palpável domínio; mais poderosamente

os deuses podem nos premir. Isso é assunto

dos deuses. — Ah, encontrássemos também nós

uma estreita faixa de terra fértil, puramente

humana, entre a torrente e a rocha!

Pois nosso coração nos ultrapassa ainda como outrora

e é impossível saciá-lo em figuras apaziguantes,

ou em corpos divinos que, imensos, o moderam.


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