domingo, 28 de novembro de 2010

Elegias de Duíno - Rainer Maria Rilke (1° Elegia/parte II)

do objeto amado e superá-lo, frementes?

Assim a flecha ultrapassa a corda, para ser no vôo

mais do que ela mesma. Pois em parte alguma se detém.

Vozes, vozes. Ouve, meu coração, como outrora apenas

os santos ouviam, quando o imenso chamado

os erguia do chão; eles porém permaneciam ajoelhados

os prodigiosos, e nada percebiam,

tão absortos ouviam. Não que possas suportar

a voz de Deus, longe disso. Mas ouve essa aragem,

a incessante mensagem que gera o silêncio.

Ergue-se agora, paia que ouças, o rumor

dos jovens mortos. Onde quer que fosses,

nas igrejas de Roma e Nápoles, não ouvias a voz

de seu destino tranqüilo? Ou inscrições não se ofereciam,

sublimes? A esteia funerária em Santa Maria Formosa. . .

O que pede essa voz? A ansiada libertação

da aparência de injustiça que às vezes perturba

a agilidade pura de suas almas.

É estranho, sem dúvida, não habitar mais a terra,

abandonar os hábitos apenas aprendidos, às rosas e a

outras coisas singularmente promissoras não atribuir

mais o sentido do vir-a-ser humano; o que se era,

entre mãos trêmulas, medrosas,



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não mais o ser; abandonar até mesmo o próprio nome

como se abandona um brinquedo partido.

Estranho, não desejar mais nossos desejos. Estranho,

ver no espaço tudo quanto se encadeava, esvoaçar,

desligado. E o estar-morto é penoso

e quantas tentativas até encontrar em seu seio

um vestígio de eternidade. — Os vivos cometem

o grande erro de distinguir demasiado

bem. Os Anjos (dizem) muitas vezes não sabem

se caminham entre vivos ou mortos.

Através das duas esferas, todas as idades a corrente

eterna arrasta. E a ambas domina com seu rumor.

Os mortos precoces não precisam de nós, eles

que se desabituam do terrestre, docemente,

como de suave seio maternal. Mas nós,

ávidos de grandes mistérios, nós que tantas vezes

só através da dor atingimos a feliz transformação, sem eles

poderíamos ser? Inutilmente foi que outrora, a primeira

música para lamentar Linos, violentou a rigidez da

matéria inerte? No espaço que ele abandonava, jovem,

quase deus, pela primeira vez o vácuo estremeceu

em vibrações — que hoje nos trazem êxtase, consolo e amparo.

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